Biombo Escuro

Estreias da Semana

X - A Marca da Morte

por Alberto A. Mauad

10/08/2022; Foto: Divulgação

O Filme Espião

X (2022) é como um espião: para os mais ingênuos ele veste bem duas mantas bem distintas do cinema estadunidense contemporâneo. A primeira é de fazer parecer ser um terror vulgar mais simples e direto, que utiliza de suas referências clássicas para a construção de um apelo atmosférico mais atrativo; a segunda é de ser um típico filme da A24 pseudointeligente, onde, o tempo todo, busca-se transgredir os limiares do seu próprio gênero, transcendendo à uma espiritualidade equivocada e bizarra.

Inicialmente, Ti West, até consegue começar a sua obra com uma sutileza e franqueza bastante bem vinda. Em uma caminhada que tenta, fracassadamente, metamorfosear (às vezes) um Tobe Hopper ou Wes Craven, bem característica desse tipo de horror rural dos anos 70. Há um déjà vu constante, pois o desejo de transmutar O Massacre da Serra Elétrica (1974) é notório e incessante.

E ele acerta muito quando trabalha as cenas mais tensas com essa frontalidade e simplicidade dos clichês de gênero. Ao passo que nas sequências violentas explora, de maneira interessante, as relações corporais carnais com o sangue. Todavia, isso se instala apenas na superfície, pois o desenrolar cabal é feito de planos demasiadamente limpos — ainda que sangrentos. O que acaba sendo uma estranheza que paira por X inteiro, como nas tentativas de simular uma película de época a partir de um filtro digital barato.

O próprio enredo, durante o desenrolar da obra, foge do estágio de franqueza inicial e vai tentando replicar algum tipo de complexificação dramática elevada. Passamos a acompanhar de perto a interação entre o casal assassino, o que revela um sentimento conturbado de desaproximação com o contexto fílmico ali inserido. E são justamente nesses longos instantes de deslocação narrativa e formal que percebemos como Ti West molda uma obra que viaja do popular à elevação banal. É como se a A24 estivesse nos dando um passe para apreciar a sua realização, pois o que é feito por eles é arte de verdade, enquanto a vulgaridade produzida por outros autores, como os da Blumhouse, não.

Isso fica exacerbadamente explícito nos infinitos motes ali revelados, seja no puritanismo, no pecado original, ou na impotência do corpo fragilizado pelo tempo. Dentro desse labirinto, se instauram as sacadas, revestidas de alegorias bobas, como no final.

Certas cenas compõem essas pequenas parábolas vazias, tais quais os diversos paralelismos ali impostos, revezando, diversas vezes, entre imagens distintas e simultâneas. Seja para tentar criar um medo inofensivo, ou explicar uma questão temática ao seu público. Acaba que são muitas exageradas tentativas de autoafirmação da mesma matéria que consequentemente X parece subestimar o seu próprio espectador.

São tantos os diálogos que reverberam "nós não estamos apenas fazendo um filme pornô, estamos fazendo cinema”, ou “eu não sou mais como era antes”, que Ti West aparenta esquecer o poder das suas próprias imagens e nos deslocando daquela atmosfera. Já temos nojo por todos aqueles corpos mais velhos, que repetem o mesmo drama, ao mesmo passo que o diálogo sobre pornografia/cinema é exatamente como a A24 vem tratando a sua relação cinematográfica a anos, e isso já está, mais que nunca, esgotado e compreensível a cada plano, filtro, personagem, e atmosfera plástica de X.

    Alberto A. Mauad

    Redator

    Estudante de cinema na PUC-Rio, redator do Biombo Escuro e cineasta. Tem interesse pelas áreas de linguagem, história e autorismo cinematográfico.