Biombo Escuro

25ª Mostra de Tiradentes

Era Uma Vez Brasília

por Luiza Furtado

02/02/2022; Foto: Divulgação

O retrato de uma cidade à beira do colapso

Uma estação de trem amontoada de detentos, uma cidade inóspita e uma astronave a sobrevoar clandestinamente neste mesmo espaço. Adirley Queirós tenta construir com tais dados um influxo voltado à mitificação total de Brasília, e orquestra tudo com o acompanhamento vocal dos discursos e testamentos, realizados na época de seu lançamento, de Dilma e Temer (esse último a partir de sua transição no governo). O retrato de uma cidade que parece à beira de um colapso, com pronunciamentos antes inflamados e que hoje parecem alegorias de um longínquo horizonte de modernidade e progresso.

Nitidamente, o projeto sócio-tecnológico idealizado não ocorreu como arquitetado, e o ano de 2017 - data de lançamento do filme de Queirós - teve seu saldo marcado pelo aumento da população em nível de pobreza (atingindo 11,2% dos brasileiros) e pelo aumento das desigualdades que se ampliaram devido às alterações das leis trabalhistas e aos cortes de benefícios na previdência social pelo governo de Michel Temer. Nessa circunstância, a única estética viável para o filme parece ser, com alguma influência do steampunk, a estética da sucata, que co-existe em todos os artefatos pertencentes ao mundo diegético de Era Uma Vez em Brasília.

Constrói-se, então, o campus cênico de um tempo que tenta fugir ao naturalismo a partir dos meios citados, mas não deixa de se inscrever em uma produção quase documental de um panorama político-histórico. A existência desses elementos trazidos do gênero de ficção científica se atrelam apenas ao segmento mais superficial do filme, que tenta canalizar a sensação de um espaço onde não já não existe nenhum senso de pertencimento entre seus concidadãos. Tudo é insólito, truculento e cruel, e mesmo a morte é transformada em objeto espetacular, vide o perfil de assassinato cometido por Corina.

Essa escolha pela espetacularização termina por se tornar justamente a categorização que mais definha a força do filme, que paira muito no seu próprio campo estético e toma menos atitudes do que poderia em torno de sua própria militância. Privilegia-se as experimentações artísticas e os limites que podem vir a ser alcançados pelos efeitos especiais ou a direção de arte, todavia essas escolhas lançam o filme em um espaço de irresolução que corrói a possibilidade da própria produção em conceber uma perspectiva mais ampla e enérgica do período.


    Luiza Furtado

    Redatora

    Estudante de Cinema da PUC-Rio. Redação e pesquisa em audiovisual. The sweet offering.