Do além, eles se erguem, para o além, se restituem (eventualmente).
Assim se concretiza um ciclo de tempos em tempos, sem saber ao certo todas as
datas exatas. Mas, uma coisa é fato assertivo fatal: eles encarnam sempre em
cidadãos comuns, ordinários, cada um deles com suas próprias histórias, laços
afetivos, acasos simbólicos. Sua razão de ser não é individualista, pelo contrário,
reside piamente no entorno da finalidade coletivista, seja no fim da humanidade, ou
no seu salvamento total, a partir do sacrifício familiar. Todavia, quem há de acreditá-
los incialmente? É essencial perseverança, ao custo do julgamento parcial da
humanidade. Existe, logicamente, constantemente a possibilidade da família
escolhida aleatoriamente para participar da oferenda ritualística apocalíptica em não
o fazer, resultando, finalmente, no fim dos tempos definitivos para o resto dos
mortais. Se não ficou claro até aqui à quem se deve esse infeliz fardo de carregar a
profecia do dilema final frente ao cataclismo, nomeio-os agora, eis os quatro
cavaleiros do apocalipse no reflexo cinematográfico contemporâneo de M. Night
Shyamalan.
Como não perceber uma pureza mágica ao redor dos filmes de Shyamalan?
Batem à Porta (2023), apenas perdura esse desejo incondicional. A obra toda se
reveste por essa fantasia deslumbrada, e que não requer mais explicações,
dispondo e ressuscitando, singularmente, os antigos estados de êxtase recitados
pelo pacto do espectador na sala escura diante de uma produção audiovisual. Uma
experiência que está sempre em diálogo com toda a sua filmografia passada, como
se, a cada vez que realizasse um novíssimo longa-metragem, todas as suas fábulas
ancestrais se somassem e ficassem contidas ao fundo do atual. É um reflexo que é
quase um paradoxo sobre si mesmo.
A Dama na Água (2006), que constrói, em um espaço minúsculo, em um
prédio residencial, em cada apartamento, cada grupo e indivíduo que reside nas
suas casas, um universo infinito a ser explorado. É nessas pequenas locações, mas
de extrema riqueza humana e mitológica, que o diretor contrasta com uma
imensidão criativa e utópica, onde qualquer coisa pode ser inventada, um exercício
pessoal sobre os limites da imaginação cinematográfica.
Batem à Porta, à vista disso, continua esse mesmo desejo de explorar os
minúsculos locais em relação a grandiosidade fantasiosa de um mundo
“aparentemente” realista, reformulando e rediscutindo a fé. Os constantes flashbacks,
portanto, aumentam infinitamente esse interesse pelo mundo individual da família,
conectando o público pelos seus traços amorosos exacerbadamente puros e
incontestáveis. Pois, ainda que as obras de M. Night Shyamalan deslumbrem pela
conjectura inventiva, o que realmente firma os laços de aço em quem assiste, para
que fique encantado, é a humanidade essencialmente ingênua de cada
personagem, ou criatura.
E nada mais apropriado do diretor, que se aproveita dos pequenos espaços, a
continuar a fazê-lo agora, após a pandemia do COVID-19. Dando um novo contexto
para a obra, toda a relação sobre o sacrífico familiar ganha uma outra dimensão,
uma nova emoção. Em um tema contido ali que se apresenta dessa forma pura,
desconsiderando muitas questões pertinentes, porém, é nessa inocência, mais uma
vez, que se constrói o seu cinema, sua conexão quase espiritual. Dado que, nada é
tão simples quanto é em Batem à Porta, mas é justamente essa compostura singela
que cativa e aprisiona avidamente quem encontra refúgio no filme.
No suspense transcendental da cabana, continuamos a presenciar outras
partes importantes da filmografia de Shyamalan. Muito se comenta, por exemplo, de
sua relação com Sinais (2002). Já que, acaba sendo uma obra que contém seu
terror no desconhecimento dos personagens dentro da fazenda diante do horror que
realmente está ocorrendo do lado de fora. O filme atual, consequentemente, se
depara novamente com tal questão, devo acreditar ou não no discurso dos quatro
personagens? É sempre imposto pistas de sua evidência factícia para apenas
depois serem rapidamente descontruídas, restando a dúvida eterna nos
protagonistas sobre a veracidade do apocalipse. Assim, há muito de Fim dos
Tempos (2008) também, pois se constitui a necessidade de crer no incrível, da
mesma forma que Mark Wahlberg precisou exercer no final da realização de 2008, e
que o público também precisa fazer inconscientemente quando está assistindo à
suas obras cinematográficas.
A Visita (2015) foi uma etapa importantíssima para a filmografia do diretor, e
não podia deixar de estar aqui. É o auge fatal do seu tremor em locais pequenos e
cabalmente explorados. Talvez, Batem à Porta, não compartilhe de uma
investigação absoluta de toda a cabana – como fazem na casa dos avós, a partir do
uso do found footage, na obra de 2015 –, entretanto, agora, há essa cisma por
inventar planos cinematográficos nada iguais aos anteriores, como um fluxo de
pensamento incessável.
Existe, por fim, uma tentativa de aceitação e reconciliação psicológica que
remete, de uma forma demasiada explícita, Tempo (2021), onde, ao mesmo tempo
que os protagonistas de ambos os filmes tentam ininterruptamente fugirem do
inevitável, há o processo de uma fatídica aquiescência, revelando um crescimento
ainda superior de uma ternura prosseguida após o ápice do medo inerente.
Ademais, as duas obras se aproveitam do ambiente extremamente limitante para
uma experiência mais corpórea por parte dos atores.
Este poderia ser um longo ensaio sobre as conectividades de M. Night
Shyamalan e sua extensa filmografia em Batem à Porta, e, entenda, são infinitas,
vão além de O Sexto Sentido (1999); A Vila (2004); Depois da Terra (2013); Vidro
(2019); etc. Contudo, vale a pena, por hora, deixar parte do suspense e das manias
de seus antigos filmes serem descobertos e redescobertos pelo espectador assíduo.
A grande celebração, que merece ser prestigiada eternamente, é a compreensão de
Shyamalan como esse mágico puro, que dá o direito assegurado da crença
elementar do impossível.