O desejo de confrontar filmicamente as dimensões da vivência familiar é um que perpassa boa parte da história recente do cinema. A experiência familiar ocupa boa parte da vivência brasileira, e para além de filmagens e fotografias caseiras, produzidas pelos próprios membros da família e com um valor de documentação afetiva, surge a ficção como lugar para a expressão das perspectivas que surgem dessas vivências. No outro encontro você(2022), de André Bushatsky, almeja criar esse ambiente doméstico, buscando suscitar todas as emoções universalmente envolvidas nessas interações, mesmo que seus personagens não sejam necessariamente parentes. Entre a troca de bravatas e a raiva contida no convívio excessivo, os quatro protagonistas do filme de Bushatsky se confrontam na mesma medida que se amam, e completam uma jornada interna no decorrer do filme, com todo o peso do tempo.
Os quatro personagens visitam a casa da família dos irmãos Bia e Marcelo, que está para ser vendida devido ao falecimento da mãe de ambos. No outro encontro você é embebido, desse modo, por uma forte sensação de despedida. O lugar que foi palco de tantas memórias está para tornar-se lugar de outra família, como somos lembrados junto dos personagens pela constrangedora visita dos novos compradores. O que Bushatsky tenta criar em seu filme é o canto do cisne desse espaço afetivo, as últimas experiências que essa família viverá nesse lugar.
Longe da sensibilidade sociológica de cineastas como Anna Muylaert, Bushatsky encena seu filme com um intuito mais verborrágico e puramente dramatúrgico. As conversas e interações entre os personagens são o ponto de entrada para os personagens. Bushatsky parece buscar com sua câmera as distâncias que habitam naqueles que vivem em um mesmo lugar. Ao mesmo tempo, a crueza dos diálogos comunica as crises internas de cada personagem, mais notórias para o outro que para si mesmo. A personagem de Bia sente-se triste com seu bloqueio criativo, mas reage depois que seu irmão aponta veementemente os erros que cometeu. Da mesma forma, o casal Michele e Rodrigo começa a falar sobre seus segredos após tudo vir à tona em uma discussão.
Os personagens vivem com suas feridas, mas é nos embates com os outros que elas são expostas, e é por isso que em No outro encontro você as intenções do cineasta surgem da interação entre os atores, pesando a importância da encenação. Ao criar o aconchego da inércia burguesa apenas para confrontá-lo, Bushatsky não atinge tons tão diferentes daqueles que se costuma ver em dramas naturalistas sobre as hipocrisias e crises internas do Brasil branco de classe média alta, faltando certa substância para a linguagem empregada, caminhando na corda bamba entre o recomeço e o adeus.
Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.
