por Alberto A. Mauad
O trabalho de um tradutor é interpretar e transcrever um certo tipo de código
para uma outra linguagem. Evidentemente, quanto mais se estuda, mais fácil
é o processo de reprodução. Algumas coisas são intraduzíveis. Certos
dialetos possuem maior assimilação entre si, devido suas origens, como por
exemplo, as línguas latinas (português, francês, espanhol, italiano etc).
Apesar de muito divergentes, o coreano e o chinês funcionam a partir de
ideogramas, o que representa uma cultura intrinsicamente imagética desde a
origem de seus signos gráficos. O detetive também necessita decifrar um
evento que já foi arquitetado no passado. À vista de seu conhecimento
empírico e teórico prévio, mais os elementos aparentemente revelados à sua
disposição, cabe ao policial traduzir o fenômeno e revelar o autor dessa
expressão. Por fim, o espectador de cinema pós-moderno, automaticamente,
já possui referências e influências preliminares à especular sobre sua obra
suspeita. É uma questão de tentativa e erro acerca da linguística
cinematográfica, não há uma exatidão em relação a arte.
A paixão e a violência são sentimentos que costumeiramente abordam o
cinema, são os mais puros extremos desejos do universo palpável, há toda
uma linha tênue entre um e outro, são ininteligíveis, se confundem
constantemente - da simples imprecisão da tradução de “cabeça” para
“coração”, como ancorado em determinada cena de Decisão de Partir (2022).
Seus atos supremos (amor/sexo e morte/assassinato) são as ações mais
delicadas e festichisadas, para André Bazin, tais fenômenos físicos são quase
impossíveis de serem realizados com seus devidos cuidados. Na sua
compreensão, alguns cineastas observaram que o tesão e o ódio têm
matrizes embrionárias iguais, é o caso de Brian de Palma, Paul Verhoeeven,
Dario Argento, que para a ausência de uma resposta concreta, distorcem toda
a sua métrica.
Na pós-modernidade o espaço-tempo se fragmenta, perde seu valor. A
história de amanhã não existe mais. O ontem é o futuro do hoje. O tudo é o
nada ao mesmo tempo. Assim, andar para frente, inocente da reprodução do
passado, é inviável. Na contemporaneidade, cinema é tanto espetáculo,
quanto fascinação (Michel Mourlet), identificação (Béla Balázs) e desejo e
mito (Edgar Morin), quanto abertura (Serge Daney). Pode ser tanto
exibicionista quanto não-exibicionista (Christian Metz). É o processo do futuro
que é incapaz de seguir sem o ontem. É a passividade e a atividade na
mesma perspectiva, tal qual o caminho do protagonista – voyeur -, que sai de
um primeiro caso como agente passivo, para um desejo primitivo em relação
à suspeita, realçando um segundo crime como cumplice parcial. Seria essa
ambivalência uma nova pureza?
. Por falar em ambiguidade, é essa dualidade que move tudo que o cinema tem
a oferecer desde a cinematografia moderna, principalmente o pós-Vertigo
(Alfred Hitchcock, 1958), ainda que demasiados diretores não tenham
entendido isso ainda. Quem busca por originalidade é por absoluta
ignorância, certamente. Quem vive em metrópoles é soterrado pelo fluxo
interrupto de signos culturais e publicitários. O dever do autor é seguir sempre
os passos do passado para uma reinterpretação próxima, como demonstra
Hae-joon no filme, eternamente capturando e caminhando pelos exatos
mesmos passos calculados e acontecimentos primitivos em busca de uma
resposta enigmática, assim como a reimaginação, o “estar” diante e dentro do
ato, mesmo que a presença do espectador não exista dentro do espetáculo
propriamente.
. Park Chan-wook compreendeu tudo isso. Sim, Decisão de Partir é De Palma,
Hitchcock, melodrama clássico, barroco mais uma infinidade de gêneros e
influências do armazenamento popular, assim como todas as outras obras
contemporâneas existentes. Mas, de novo, como a maiorias dos outros
artistas, Park Chan-wook continua não sabendo lidar com o seu mote, com a
sua própria história, é algo eternamente pseudo volúvel. Está toda a
exploração imagética ali, ainda que presa à normas linguísticas que o sul
coreano não percebeu cabalmente.
Seo-rae, no derradeiro final do longa-metragem, morre, pois, na
contemporaneidade, a ideia referencial principal, acaba se perdendo,
soterrado em meio a tanto caos (in)significante, resta a busca incessante do
flaneur para tentar alcançá-la, mesmo que pouco visível, sabe-se apenas que
sua névoa sugestiva reside ali, abaixo de toda a libertinagem do mar. Porque,
afinal, o cinema de hoje está fadada a ser a cópia barata da duplicata,
simultaneamente, é um progresso paulatino sem rumo diante de uma história
que pode (ou não) ter cessado.