Em EO (2022), a peregrinação maquinal do protagonista denota a confidência
de uma obra adepta a um panteísmo muito peculiar, assim como Jerzy
Skowlimowski aplicou também em Matança Necessária (2010). Aqui, contanto, ele
se instaura de modo profundamente assertivo, pois toda evidência centrifugada de
sentimentalismo gira em torno da causalidade dos eventos no cosmo. A verdadeira
prova de seu encanto está no modo como o animal protagonista se encontra
agregado e inseparável do mundo materialista, à vista disso, quando está sozinho, a
subjetividade desse encontro inerente é sempre revelada em uma explosão e
sobreposição da imagem cinematográfica em uma visão experimentalizada
potencializada, de maneira a notabilizar a incapacidade dos corpos humanos em
compreender a fascinação da natureza de todas as perspectivas coletivas e
individuais.
Não seria mais justo, portanto, o cineasta polonês estar sempre perpassando
o burro em ambientes demasiadamente inéditos, onde cada língua falada é
eternamente diferente, mas que expõe uma identificação cabal com dialetos e
sotaques primários da Europa. Assim, seu discurso carrega um vigor transcendental
no continente que tenta se espelhar como o auge do êxito da civilização
contemporânea e que, todavia, carrega apenas os abismos do eurocentrismo e da
moralidade. Logo, as pequenas confusões individuais que se pode averiguar ao
redor da vida do protagonista são todas ocas, indiferentes e autocentradas, ao
passo que se justapõe essa aproximação clichê do burro humanizado, que aqui
ganha um certo frescor formal inovador.
Percebe-se muito uma tentativa de comparação entre EO e Au Hasard
Balthazar (Robert Bresson, 1966), devido absolutamente à suas premissas
similares. Porém, como sucesso de Jerzy Skowlimowski, nota-se, pelo menos, dois
vícios Bressonianos: a construção de um universo essencialmente individualista,
ainda que isso seja mais resultado de uma intervenção sempre humana do que do
mundo natural em si; e uma noção de comportamento extremamente mórbido e
essencialista de EO, o que está bem evidente na obra, tudo ao seu redor têm muita
energia, movimentação, até mesmo nos outros seres naturais, menos o burro
principal, que se revela constantemente estático e apático, ganhando força
justamente pelas breves ações fundamentais que exerce de maneira melancólica.
Em determinado momento do longa-metragem, dessarte, avista-se uma curta
cena de um robô que se assemelha a um bicho de quatro patas de pequeno porte.
Este que está caminhando sem rumo por um lugar desconhecido, saindo da região
asfaltada em direção à grama. Assim como a máquina, o burro tem a mesma
condição primordial, que é estar impossibilitado do controle de sua vida, onde seus
passos estão premeditados por autoridades exteriores, da mesma forma que o seu
modo de agir é atipicamente travado. Dessa maneira, o filme transmuta esse ser
fora da sua zona natural, em um possível John Wayne injustiçado, onde pode-se
fazer tal comparação logo após a cena de “resgaste” no início da obra, em que todas
as pessoas entram para comemorar o desenlace do evento, restando apenas EO do lado de fora, sendo enquadrado pela lente tal qual John Ford aplica o último plano
de Rastros de Ódio (1956) sobre o personagem de Ethan Edwards fora de sua casa.
E viva o Burro! Este que é primordialmente o verdadeiro anarquista desse universo
panteísta.