Biombo Escuro

Estreias da Semana

Entre Mulheres

por Guilherme Salomão

02/03/2023; Foto: Divulgação

Realidade parada no tempo 

Em Entre Mulheres, com direção e roteiro da atriz e cineasta Sarah Polley, a conexão emocional da audiência para com a obra é fortalecida pelo “cair das fichas” de que estamos diante de uma história contemporânea de não-ficção (o filme é inspirado em uma história real, ocorrida na chamada comunidade Menonita, na Bolívia). Nele, Polley promove uma dinâmica que busca não escancarar logo de cara para o público o fato de estarmos diante desse tipo de história- O que será afetado, é claro, caso haja esse entendimento prévio por parte do espectador, tendo em vista que o filme também é inspirado em um livro homônimo de Miriam Towers sobre o caso (o que, de todo modo, não afeta o impacto do minimamente consciente dos indivíduos).  

Um dos dez selecionados para concorrer ao Oscar de Melhor Filme em 2023, o filme narra a história de um grupo de mulheres de uma comunidade religiosa cujos costumes as forçaram a viver sem educação e analfabetas, tornando-as completamente submissas aos integrantes masculinos dessa congregação. No entanto, no ano de 2010 (!), elas acabam descobrindo que, durante anos, esses homens utilizaram de anestésicos para dopá-las e estuprá-las, resultando em gravidez e traumas psicológicos na maioria dos casos. 

Somos induzidos a acreditar, especialmente em toda parte inicial do filme, que estamos diante de uma produção de época, com Polley, por sua vez, deixando pequenas “pistas” ao longo da projeção (como uma caneta ou a pesquisa do censo 2010) que logo induzem ao choque e ao impacto por essa ser, na verdade, uma trama contemporânea, principalmente- característica essa que, por alguns instantes de reflexão, se conclui como algo inacreditável ao mesmo tempo que perturbador. 

Nesse contexto, é destaque como toda a mise-en-scène da diretora, dos figurinos à direção de arte, remete, justamente, a uma autêntica história de época, alienando o seu espectador nessa ideia. Além disso, esse “cair das fichas” de que essa trata-se de uma história situada em pleno século XXI, por sua vez, faz com que a fotografia do filme, apontada por alguns como pouco inspirada, se torne, na verdade, em uma escolha de linguagem consciente para com os temas e situações que Entre Mulheres propõe e retrata, em que os tons acinzentados e envelhecidos que embebem os planos filmados por Sarah Polley durante toda a projeção, nos imergem numa realidade melancólica e parada no tempo. 

Indo além, chama atenção como os abusos sexuais não são retratados com sensacionalismo pela diretora, que dispensa uma quantidade significativa de cenas explícitas pelo ponto de vista gráfico em troca de momentos mais singelos e esporádicos, mas igualmente impactantes. Engajado em questões como o empoderamento feminino e a masculinidade tóxica, a estrutura da trama em si se desenvolve, de fato, com foco nas trocas e nas interações dramáticas entre as personagens- interpretadas, por sua vez, por um grande elenco, que traz principalmente os nomes de Rooney Mara, Frances McDormand e Claire Foy. 

Acompanhamos, em quase todo o tempo de filme, longas sequências de diálogos, calcados, acima de tudo, em reflexões sobre crenças sociais e religiosas e na busca de um futuro por esse grupo de mulheres dividido em três polos. Há aquelas que desejam ficar e manter a situação da mesma forma por determinados motivos. Por outro lado, há aquelas que almejam continuar sendo parte da comunidade e lutar por mudanças estruturais. Por fim, mas não menos importante, o terceiro grupo é aquele que acredita que uma fuga seja a melhor das opções. No fundo, entretanto, todas parecem buscar, de certa forma, um mesmo objetivo- viver livre das amarras limitantes e de fanatismos religiosos de uma realidade arcaica, em que mulheres são forçadas a viver sem direitos e privadas da razão, acreditando na hipótese de que os feitos de seus agressores são frutos de possessões diabólicas. 

Dispensando o espetáculo e os sensacionalismos em troca do minimalismo e de momentos intimistas, imaginá-lo como real e atual faz de Entre Mulheres um filme, acima de tudo, necessário, apesar de triste e dolorido na mesma medida.   


Guilherme Salomão

Redator

Guilherme Salomão é Social Media, Produtor Audiovisual, Colunista e Criador de Conteúdo digital apaixonado por Cinema, Música e Cultura Pop. Administrador por formação, onde foi autor do TCC “O Poder da Marca no Cinema: O Caso Star Wars de George Lucas”, ele também estudou Produção Audiovisual na Academia Internacional de Cinema.