Biombo Escuro

Estreias da Semana

Era Uma Vez Um Gênio

por João Pedro Rodriguez

01/09/2022; Foto: Divulgação

Um desajeitado exercício imaginativo

Em “Era uma vez um gênio”, Tilda Swinton interpreta Alithea, uma especialista em narratologia, conhecedora de todas as histórias e mitos, que encontra o Gênio da lâmpada vivido por um Idris Elba semi-nu e com orelhinhas pontudas. Ela estuda as narrativas friamente, mas também sabe absorver seu encantamento; sabe se distanciar e fabular sobre si e sobre as coisas banais do nosso mundo. Boa parte do filme se passa no quarto de hotel de Alithea, onde o gênio fala de sua longa vida e conta três histórias, que existem como capítulos à parte – tem desde Rainha de Sabá e Rei Salomão até Mustafá e os haréns do Império Otomano, tudo bem chamativo e sensualizado. O diretor da franquia Mad Max trabalha um tom excessivo, com a direção de arte entulhada e colorida, e um gosto pelo puramente aleatório. No meio de tantas camadas de estilização despudorada, subsiste ainda assim uma reflexão boa e algumas imagens divertidas – tipo o Idris Elba gigante, o cara que vira uma aranha que explode gerando milhares de mini-aranhas, ou aquele anão medonho que aparece em 3 minutos de filme sem absolutamente nenhum porquê.

Logo no início, vemos uma palestra onde Alithea fala sobre como a humanidade inventava narrativas, explicações fantásticas e religiões, para dar conta dos fenômenos naturais que a ciência dominou. Os deuses, hoje, não são mais do que metáforas, ela diz. Mas mesmo parecendo que perdemos essa relação mágica com o mundo, ela sustenta que ainda criamos nossas fantasias e mitologias, exemplificando pelos super-heróis dos quadrinhos. Se pensarmos que filmes e histórias são muitas vezes maneiras de especular sobre a experiência do tempo, este filme (cujo título original é “Three thousand years of longing”) faz sua proposição de um modo bem literal. Buscando grandes escalas de tempo, de espaço (no longínquo Oriente), e também num nível cênico (o alto do céu, o fundo do mar); e por essa intrusão de três digressões que em nada afetam o núcleo do enredo, mas servem apenas como figuras que condensam uma certa imagem de acúmulo dos tempos e paixões humanas, mortes, amores, traições, etc. Em tudo isso, ao dar essa volta ao mundo, o que o filme parece mesmo querer é brincar com essa sensibilidade descronologizante, essa visão dos tempos e das culturas justapostos, em sincronia, que é própria das teorias literárias modernas, da semiótica e afins.

Junto a isso, nota-se também a vontade de demonstrar como estranhar nosso tempo presente, e entrever a magia e a loucura no que está mais próximo. O Gênio surpreende-se com as invenções humanas dos últimos 200 anos, pois sua matéria eletromagnética faz com que absorva as correntes de energia e as transmissões de dados, e sinta o peso dos satélites e aviões. Ao olhar uma televisão, por exemplo, que está mostrando um vídeo de Albert Einstein, ele pergunta qual bruxaria teriam feito para prender o sujeito dentro daquela caixa. Alithea explica que é apenas uma imagem, uma cópia, mas logo em seguida o Gênio usa seu poder e puxa a figura de Einstein para fora da tela, para a palma de sua mão. Ao invés de vir somente sua representação, aparece um Einstein real, vivo, em miniatura, confuso por ter sido arrancado de sua existência virtual, mas real mesmo assim. Esse tipo de situação, de deslocamento, é dos gestos mais interessantes que o filme oferece e poderia ter mais disso. Infelizmente essa intenção fica diluída entre tantas outras.

Fica uma impressão de que o roteiro foi escrito rápido demais, pois as várias ideias originais do filme acabaram misturadas com imensos clichês, uns bons diálogos invadidos por frases altamente piegas, e a dose exagerada de artifícios entra para compensar e dar qualquer ar de “excentricidade”. Contudo, sua gratuidade espetacular (seja qual for o ideal de espetáculo que George Miller acredita estar cumprindo), ainda é mais positiva do que um cinema que vende clichês tentando fingir seriedade. A estrutura narrativa incomum provavelmente não funciona mesmo, mas não deixa de ser um filme movido por uma pulsão e uma intenção artística descontrolada e afetuosa, e isso conta. Para quem gostou de “Memoria” (2021), aqui tem mais da Tilda Swinton viajando pelo terceiro mundo e fazendo contatos sobrenaturais pelo espaço-tempo, só que dessa vez no modo Kitsch.