Biombo Escuro

24º FESTIVAL DO RIO

Argentina, 1985

por Guilherme Salomão

14/10/2022; Foto: Divulgação/Festival do Rio

Combate aos horrores das ditaduras em exercício de gênero

Coprodução entre Argentina e Estados Unidos, “Argentina, 1985” é a nova aposta do serviço de streaming Amazon Prime Video. Com direção de Santiago Mitre, o filme narra a história real dos promotores Julio Strassera (Ricardo Darín) e Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani), que, em 1985, recebem a árdua missão de processar a então recém terminada ditadura militar argentina, em um período em que se consolidava no país um ainda frágil novo regime democrático. Sob ameaças e intimidações dos militares, Strassera e Ocampo reúnem uma equipe jurídica formada por jovens comprometidos a expor as covardias criminosas e as violações dos direitos humanos advindas desse período que afligiu o país.

Tratando-se de mais um exemplar de investigação criminal no cinema, o filme de Mitre adota um tom bastante formal ao se render às convenções desse gênero. Nesse contexto, o realizador argentino segue uma lógica bastante “Hollywoodiana” para contar essa história, remetendo imediatamente a exemplos mais clássicos da categoria, como Todos os Homens do Presidente (1976), sobre dois jornalistas por trás da exposição do escândalo de Watergate, e outros mais contemporâneos, como é o caso de Os 7 de Chicago (2020), em que o badalado roteirista e diretor Aaron Sorkin aborda a história de um grupo ativista da contracultura acusado de conspiração pelo governo norte-americano.

Essa possível padronização pode parecer demérito. Porém, também faz com que haja certo potencial de “Argentina, 1985” em se encaixar nessa prateleira de realizações da categoria que revelam uma faceta oculta de eventos históricos e suas principais personalidades por trás, tornando-as de conhecimento mais amplo e de uma forma mais didática para o grande público. O que, dado o contexto político global vigente, de polarização e ressurgimento do extremismo, faz do filme uma realização relevante (talvez muito mais familiar para outras nações sul-americanas que também viveram os horrores de uma ditadura militar, como é o próprio caso do Brasil e do Chile), ainda que o tema da ditadura Argentina já tenha sido abordado pelo próprio cinema do país em outras ocasiões- como em O Segredo dos seus Olhos, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010, também protagonizado por Ricardo Darín.

Em “Argentina, 1985”, a ditadura é retratada quase como um fantasma do passado que ainda assombra os personagens a quem somos apresentados. Strassera, de início, sente receio em realizar o processo contra os militares, em uma lógica ciente dos perigos e consequências que essa ação pode ter para si e para seus familiares. Já Ocampo, por sua vez, vindo de uma família de forte conexão com os militares, convive diretamente com indivíduos apoiadores do regime, o qual está determinado a lutar contra. Dito isso, para abordar os horrores do período, Mitre aposta na força textual e dramática das cenas de tribunal, alicerçadas pelas atuações de seu elenco. Naqueles que são os instantes de maior impacto do filme, as testemunhas recitam relatos traumatizantes sobre tortura, desaparecimentos, dentre outros dos escrúpulos dos anos em que os militares estiveram no poder.

Apostando, na maior parte do tempo, na fluidez para envolver o espectador na história, a direção de Santiago Mitre é construída por meio de planos mais longos, elaborados a partir de travellings constantes de câmera na mão. Indo além, caracterizam o comando do argentino à frente do projeto sequências em que estilizações estéticas pontuais, como filtros emulando imagens de arquivo e transmissões televisionadas da época, se fazem presente em determinados momentos. Apesar disso, é o derradeiro discurso de Strassera, enfatizado pela interpretação vibrante desse personagem por Ricardo Darín, que se sobressai a qualquer estilização das imagens. Um pedido pungente para que não haja, nunca mais, uma ditadura da natureza daquela que vemos ser relatada de forma emotiva ao longo da projeção.

“Argentina 1985”, dessa forma, pode não ser uma obra estritamente disruptiva ou inovadora em sua forma, mas prova-se, de todo modo, um exercício do conceito cinema de gênero relevante, dado o seu conteúdo. Afinal, sob a ótica do contexto político contemporâneo, mensagens pelo combate aos horrores ditatoriais são importantes para que não se repitam os erros do passado.


Guilherme Salomão

Redator

Guilherme Salomão é Social Media, Produtor Audiovisual, Colunista e Criador de Conteúdo digital apaixonado por Cinema, Música e Cultura Pop. Administrador por formação, onde foi autor do TCC “O Poder da Marca no Cinema: O Caso Star Wars de George Lucas”, ele também estudou Produção Audiovisual na Academia Internacional de Cinema.