Biombo Escuro

24º FESTIVAL DO RIO

Império da Luz

por Tiago Ribeiro

07/10/2022; Foto: Divulgação/Festival do Rio

A retórica antirracista como mero artíficio oscarizável

O cineasta britânico Sam Mendes, conhecido por dirigir o filme pronto para premiações 1917(2019), lança mais um esforço que mira no prestígio de estatuetas. Em Império da Luz(2022), Mendes faz mais um esforço que se ancora em convenções externas à que movem sua história, o que prejudica significativamente o filme. É possível afirmar isso pela roupagem extremamente oscarizável empregada, seguindo com um compasso preciso todas as marcações e exigências necessárias para agradar as convenções da academia nesses últimos anos. Todos os anos diversos filmes como esse são feitos, longas cuja essência parece completamente diluída em construções pensadas para a temporada de premiações.

Império da Luz retrata as vidas de funcionários de um cinema de rua em uma cidade pacata na costa sul da Inglaterra, durante os conturbados anos 80 no país. Cria-se uma dinâmica no ecossistema dos funcionários, cada um orbitando seu próprio mundo e mostrando suas próprias excentricidades. Por entre a vida nesse cinema destaca-se o estranho fascínio que a personagem de Hilary, interpretada por Olivia Colman, uma mulher retraída e triste, tem por Stephen, interpretado por Michael Ward, recém contratado pelo cinema e uma pessoa naturalmente combativa.

A partir disso, Mendes entrelaça os mundos distintos desses personagens, mas Império da Luz acaba caindo na mesma armadilha que Green Book(2018). O roteiro do longa tenta a todo custo empregar uma retórica antirracista, com cenas em que skinheads tentam agredir Stephen, por exemplo. Mas faz isso de forma pouco incisiva, como se as cenas estivessem escritas apenas para cumprir uma espécie de pré-requisito para o filme tornar-se relevante diante das premiações e das pautas progressistas modernas.

Utilizar a pauta antirracista como mero artifício é apenas um dos problemas de Império da Luz, que conseguiu fazer com que a notória dupla de compositores de trilha Trent Reznor e Atticus Ross, conhecidos pelas paisagens sonoras eletrônicas com tons industriais, entregassem uma orquestração sem vida, digna dos trabalhos menos inspirados de Howard Shore. Além disso, a edição emprega uma decupagem clássica excessivamente maniqueísta, sendo possível claramente apontar os momentos articulados para evidenciar a "força" das performances, feitos para serem convenientemente reproduzidos no momento em que se anuncia a indicação do ator para a premiação.

O cinema tem apenas a perder quando suas histórias tem que ser moldadas de acordo com convenções, sejam elas quais forem. A tentativa de tornar o filme mais palatável para premiações é uma estratégia comercial que diminui o impacto de mensagens e debates importantes. Império da Luz acaba não sendo antirracista, e tampouco uma "carta de amor ao cinema". Suas articulações se perdem no lugar comum das imposições oscarizáveis, e suas mensagens se perdem mergulhadas no gigantesco oceano de filmes convencionais.

Tiago ribeiro

Editor, Redator e Repórter

Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.