Biombo Escuro

25ª Mostra de Tiradentes

germino pétalas no asfalto

por Alberto A. Mauad

24/01/2022; Foto: Divulgação

O Cotidiano Político da Vida Coloquial

É inegável a relevância do tema do novo longa-metragem da dupla Coraci Ruiz e Julio Matos, Germino Pétalas no Asfalto. Ele tem seus méritos por escolher na maior parte do tempo acompanhar esse processo de transição de gênero do Jack, a sua adaptação e a sua vida coloquial, principalmente por estar inserido em um país mergulhado em uma onda de ultra conservadorismo contemporâneo. Contudo, o documentário acaba por se perder na própria proposta a partir de escolhas conflitantes em seu método.

É um filme demasiadamente forte e pertinente quando prioriza um ponto de vista observatório. É um estudo cinematográfico bastante interessante presenciar o cotidiano comum dessas pessoas, desde os atos mais banais, aos encontros entre os amigos, o ativismo, e aos procedimentos médicos. Funcionado assim, tanto como um registro ordinário prazeroso, quanto um discurso social já intrínseco na visualização dos eventuais acontecimentos.

Todavia, a obra se desconecta da própria forma inúmeras vezes. Os cineastas usam e abusam de artifícios extra diegéticos na tentativa de empoderar mais ainda tais ocasiões, seja no uso da trilha sonora ou nos experimentos com os efeitos animados. Consequentemente, os dispositivos se tornam deslocados e forçados, contradizendo o olhar observacional.

Além disso, Germino Pétalas no Asfalto, aproveita eventualmente de áudios e imagens de arquivo para construir um discurso ainda mais político e governamental. O que nunca é desenvolvido na sua totalidade, se transfigurando como superficial e fazendo com que a realização perca fúria como arte. Como se a produção não acreditasse suficientemente no manifesto potencializador que já é a caminhada de Jack e de seus companheiros.

Coraci Ruiz e Julio Matos constroem uma película com momentos e cenas delicadíssimos, com significados implícitos. Entretanto, a aderência do empreendimento de vários métodos conflitantes na sua mise-en-scène, ao buscar um grito maior na sua declaração de resistência, prejudica boa parte da exibição e auto sabota o seu próprio cinema.



    Alberto A. Mauad

    Redator

    Estudante de cinema na PUC-Rio, redator do Biombo Escuro e cineasta. Tem interesse pelas áreas de linguagem, história e autorismo cinematográfico.