A mais nova iteração da filmografia do romeno Radu
Jude é Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental (2021), um filme que é mais
do que uma coisa só, borrando linhas entre documentário, ficção, ensaio e
protesto. É um filme que trata da Romênia, numa investigação satírica sobre o
cerne ideológico de uma sociedade reacionária e conservadora, refém de um passado
autoritário e racista.
O ponto de partida da investigação de Jude é o
sexo, e a repressão coletiva dos romenos em ligar com ele. A cena inicial,
explícita e na estética da pornografia amadora, já pretende desarmar qualquer
tipo de impedimento que possa existir. O sexo está posto como é, e deve ser
discutido. A força iconográfica do sexo em Má Sorte remete aos filmes do
cineasta japonês Nagisa Ōshima, diretor de clássicos como O Império da
Paixão (1978), inspiração já comentada pelo romeno.
A seguir, o longa divide-se em três atos,
extremamente distintos. No primeiro ato, temos Emilia Cilibiu (Katia Pascariu),
professora de colegial que estrela o vídeo de sexo do início, andando pelas
ruas de Bucareste. Tudo em diversos planos abertos, nos quais a mulher se
mistura em meio a cidade e ao ir e vir do dia. Os imensos outdoors
subliminares, os corpos pequenos em carros grandes, a hostilidade e raiva
masculina - todos são vistas frequentes na andança nervosa de Emilia pela
cidade. Nesse primeiro ato, temos o universo ficcional do filme posto dentro da
realidade crua, integrando-se a ela e buscando evidenciar as expressões diárias
do reacionarismo social.
O segundo ato é um verdadeiro ensaio fílmico sobre
a modernidade de um mundo refém do crescimento da extrema direita. Aqui vale
tudo, desde imagens de arquivo da Segunda Guerra Mundial até memes. Essa
parte é um deleite, assemelhando-se a navegar pela timeline de uma rede social.
Trechos pequenos e pensamentos rápidos sobre os mais diversos tópicos - teorias,
opiniões, ciência, história, críticas etc. As palavras que atravessam o tempo
em pequenos trechos de poucos segundos. Tudo muito rápido, mas nem um pouco
passageiro. O passado é difícil de ser superado.
Má Sorte no Sexo culmina no último
ato num espetáculo teatral, perfeitamente complementar a realidade posta no
primeiro. O palco da peça é o colégio no qual Emilia leciona, enquanto os pais
julgam se ela deve ser afastada de seu cargo após seu vídeo de sexo ter vazado.
Existe algo sobre como uma "reunião de pais" pode servir como um
microcosmo da sociedade. A comédia performática é entregue com perfeição. Esse
ato é como Escolinha do Professor Raimundo seria se tivesse culhões para
de fato articular alguma coisa sobre a sociedade, num misto de sátira e
vaudeville trágicos. Um gracejo que evita a lágrima.
No entanto, talvez o que perpassa todo o filme seja
a realidade estética e espiritual da pandemia. Integrar máscaras e
distanciamento social ao trabalho dos atores em cena localiza o filme em um momento
bem específico. Um momento em que não apenas a Romênia, mas todo o mundo sofre
com uma nova onda autoritária e reacionária. E o filme argumenta contra isso em
sua própria estrutura, fazendo o que a sociedade tem medo de fazer - vendo sexo
como natural e parte da vida. Tudo isso com comentários espertinhos e
engenhosidade na montagem. Radu Jude levanta o escudo espelho de Perseu para a
trágica realidade de um mundo que se desfaz em meio a Covid-19.
Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.