Biombo Escuro

Estreias da Semana

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo

por Tiago Ribeiro

16/06/2022; Foto: Divulgação

O hedonismo omnipresente na era dos multiversos

Tratandoda modernidade, certos tópicos que ressoam universalmente vêem a luz do dia com mais frequência do que outros. Essa abordagem frequente povoa as mentes através das telas que mediam nossas interações com o mundo. Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (2022), dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, diretores de Swiss Army Man (2016) que assinam como "Daniels", miram nesse universal em seu novo filme. Com os quatro lóbulos cerebrais em sintonia, os diretores conseguem criar um desfile carnavalesco de iconografia e imaginação cinematográfica. Entretanto, talvez lidem de forma demasiado burocrática com as próprias ideias com que trabalham, o que o torna enfadonho em certos momentos.

A protagonista do longa é interpretada pela lenda do cinema de artes marciais chinês, Michelle Yeoh, que interpreta Evelyn, uma imigrante chinesa dona de uma lavanderia. Sua filha é a millenial Joy, interpretada por Stephanie Hsu, com quem ela vive em eterno conflito de clássico caso de incompreensão intergeneracional. Evelyn também vive uma crise conjugal com seu marido Waymond, interpretado por Ke Huy Quan, e sua lavanderia corre o risco de ser tomado pela receita, representada pela fiscal interpretada por Jamie Lee Curtis. A partir desses conflitos e tensões vem à tona o multiverso, ou vidas alternativas dos personagens criadas pelos caminhos não tomados em suas vidas. O enredo explora esse lugar comum da cultura pop que é a "teoria das cordas" como caminho para abrir portas para explorar suas vontades de ficção.

Nos entremeios da história orbitam diversos temas que servem como centros gravitacionais de emoção, que justificam toda a bagunça que o filme espalha por seu próprio labirinto. Os Daniels criam essa "bagunça" como modo de afirmar uma visão hedonista de mundo, desarmando quaisquer propósitos maiores e necessidades de "explicar" o filme, se importando apenas em montar as tendas para um espetáculo. O longa é propositalmente difuso, e esse é seu meio e seu fim, que justificam que o filme se jogue atirando para todos os lados com sua comédia como o personagem de Chow Yun-Fat em O Matador (1989). Pensando no cinema de John Woo, Tudo em Todo Lugar presta homenagem a diversas iterações do cinema chinês. Em certos momentos engaja-se em maneirismos da filmografia de Wong Kar-Wai, e sua ação de artes marciais se assemelha ao humor visual dos filmes estrelados por Jackie Chan, além de lembrar dos filmes de Wuxia estreladas pela própria Michelle Yeoh.

Tudo em Todo o Lugar lida de uma forma refrescante com os multiversos. Seus diretores subscrevem uma cosmogonia própria dentro dos 140 minutos no qual se transcorre o filme, fugindo do método de criar histórias que se entrelaçam por diversas peças diferentes de mídia, um vício recente da indústria cinematográfica. Mas não apenas faz comentários indiretos sobre a mentalidade da indústria, como também da própria relação moderna com a internet e com a onipresença do mundo nas telas. Por isso mesmo, talvez a maior conexão contida no filme dos Daniels seja com a filmografia de Satoshi Kon, particularmente com Paprika (2006), na forma em que constitui uma materialidade incerta para explorar suas intenções, estebelecendo uma lógica similar à dos sonhos. E nada mais natural que "teoria das cordas" e "multiversos" para traduzir filmicamente como é a experiência da internet. Talvez scrollar por timelines e navegar por stories seja um pouco como sonhar na bad trip da modernidade.

Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo habita diversos universos fílmicos, e é quando se engaja com isso que se torna mais interessante. Acaba por ser um produto criado para fazer piadas com outros produtos. É um que afirma o hedonismo como forma de matar suas pretensões e apenas se divertir, chegando ao maior prazer cinematográfico através da quebra de expectativa. Nesse contexto, temas como o conflito geracional entre mãe e filha ou o destratamento da superestrutura estadunidense para com imigrantes aparecem apenas como recursos dramáticos usados para justificar as pirações dos cineastas. O filme parece mais interessado em explorar as possibilidades abertas pela própria iconografia, incorporando à sua diegese elementos de ficção científica à la Pequenos Espiões e uma mise en scène de artes marciais de comédia estilo Jackie Chan, do que de fato chegar a alguma conclusão maior sobre qualquer coisa. E essa é a graça da coisa.


    Tiago ribeiro

    Editor, Redator e Repórter

    Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.