Existe uma ritmação em determinados filmes que
beiram a sublimação completa de seus objetos. Observa-se isso em um determinado
momento do longa de Bressane: há a fricção de um microfone em um cadáver, que
acaba por incorporar a dureza dessa carcaça e o som de sua lacuna. Desenrola-se
então uma busca pelo real, e tateia-se tudo que estiver ao seu alcance: “Quem sabe onde está a verdade? Nos sonhos do
poeta, nas visões do monge, nas canções obscenas do marinheiro, na cabeça do
doido, na palidez do cadáver, ou no vinho ardente da orgia?” (AZEVEDO, Álvares, 1855).
Se partirmos da premissa que qualquer cadeia
de relações interpessoais seja, em um primeiro momento, composta a partir de hiatos, então encontramos a
partir dela o mecanismo mor de Capitu e o
Capítulo. Porém, trata-se aqui de
um hiato em constante expansão, onde as relações entre os personagens se
desenvolvem apenas para se tornarem ainda mais turbulentas e confusas. Pelo close-up nos olhos injetados de Capitu e
seu paralelo com as ondas do mar, está a própria regressão, tanto formal quanto
metafórica. No cotidiano da relação, não resta mais nada entre ela e Casmurro,
e no entanto sempre se tensiona a ser.
Assim como na cena da valsa em que dança o casal, todo aparato formal
que regula a relação dos dois beira ao grotesco e ao falido. Mas é justamente
nos momentos em que essa ornamentação é desfeita que irrompe, enfim, a efervescência, o desejo e o gozo no filme: as danças sob a instrumentalidade da música
afro-sambista, as palavras em tupi, o retorno ao originário e ao inalcançável.
Um desejo que só se manifesta também pelo contraste, e é
necessário a presença do outro para que se tome consciência da própria lacuna.
Dessa forma, é o segundo casal em cena (Claudio Mendes e Djin Sganzerla) que irá esbanjar vitalidade e assumir o
exemplo, pois eles próprios roem suas relações até apagarem o preciso hiato que
os separa.