Biombo Escuro

27º Festival É Tudo Verdade

Retratos do Futuro

por Tiago Ribeiro

04/04/2022; Foto: Divulgação; Revisão: Ana Poquechoque

Vislumbres de um futuro que não consegue esquecer o passado

A pandemia de Covid-19, fato tão recente na memória coletiva, foi tema massivamente abordado na produção midiática dos últimos dois anos. Durante boa parte de 2020 e 2021, fomos bombardeados por perspectivas e experiências que circundam o lockdown e as implicações da pandemia. Algumas imagens e teorias se tornaram assunto comum da esfera pública mundial, a ponto de se tornarem o zeitgeist de assalto e saturarem as discussões.

Em Retratos do Futuro (2011), filme dirigido pela argentina Virna Molina, é abordado de frente o assunto da pandemia por meio de um documentário ensaístico sobre a Covid-19. Também é sobre a própria diretora e diversos assuntos pertinentes a sua vida. Todos os clichês do modo ensaístico de se fazer cinema estão presentes na obra. O estudo e investigação das imagens, a inscrição do próprio trabalho, a declamação poética e a manipulação das imagens de arquivo. Toda essa linguagem ensaística aplicada no documentário argentino poderia ser interessante caso houvesse maior foco na abordagem dos diversos assuntos tratados no longa.

Molina opta por estruturar seu filme em uma espécie de fluxo de consciência, que vai do sofrimento que a acomete com o isolamento até reflexões sobre questões feministas. Há uma profunda indecisão entre a escolha de abordagem.

Pensando no contexto do 27º Festival É Tudo Verdade, é possível contrapor Diários de Mianmar e Retratos do Futuro, principalmente pela forma em que ambos lidam com o excesso de produção midiática e o diálogo cibernético. Em Diários os cineastas do coletivo que realizaram o documentário utilizaram-se das múltiplas narrativas construídas para denunciar e explicitar as atrocidades cometidas pelo regime militar birmanese, em fenomenologia do autoritarismo truculento. Já Retratos nos situa em momento coletivo e existencial, mas cuja mensagem acaba sendo construída de forma péssima, nos lembrando da extrema saturação que o intermitente intercâmbio midiático pode causar.

Não há nada de errado com o conteúdo ou a escrita do filme, que é belíssima e profunda. Mas o filme aborda o evento recente da pandemia de forma bastante errática, sem se decidir entre afirmações subjetivas e objetivas, expondo as discussões mais saturadas do primeiro momento da pandemia. Isso torna o longa de Molina bastante enfadonho e desatualizado, em relação às questões pessoais da cineasta argentina e, principalmente, ao momento objetivo que ela comenta sobre.


Tiago ribeiro

Editor, Redator e Repórter

Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.