Biombo Escuro

Estreias da Semana

Athena

por Tiago Ribeiro

03/10/2022; Foto: Divulgação

A estética da nova revolução

Athena(2022), nova produção do diretor francês Romain Gavras, estreou inicialmente no 79° Festival de Veneza e chegou ao streaming Netflix dia 23 de setembro. O longa constrói uma retórica cinematográfica rebelde e incendiária, digna das afirmações que almeja fazer sobre as tensões internas da França moderna, empregando uma estética de conflitos urbanos entre a juventude francesa, predominantemente miscigenada, e as forças policiais truculentas e frequentemente vistas protegidas por detrás de escudos de força. De certo modo, Romain continua uma tradição de fazer filmes radicalmente políticos estabelecida por seu pai, o cineasta grego Costa-Gavras. Em Athena, existe um estado de guerra eterna que parece emular os conflitos de uma França do século XXI, mas que vive assombrada pelas consequências de seu passado colonialista.

A sequência inicial da tragédia de Athena assume posições estilísticas bastante definidoras de suas ideias acerca do mundo, conforme acompanhamos um plano sequência de mão livre, fortemente reminiscente de filmes como Filhos da Esperança(2006), de Alfonso Cuarón. Os eventos escalam de modo a estabelecer imensa tensão e vertigem de movimento, engatilhado pelo conflito entre os irmãos de Idir, jovem franco argelino assassinado sob circunstâncias pouco claras. Começando já com esse soco no estômago, Gavras constrói um plano que remete a pintura "Liberdade guiando o povo", de Eugène Delacroix, quadro notório por representar graficamente a Revolução Francesa. Percebemos que os eventos históricos do país funcionam como força motriz para uma nova revolução que se estabelece.

Essa estrutura formal é repetida a esmo pelo restante do filme, com Gavras nos guiando por seus labirintos de planos sequência, propositalmente desordenados e tingidos de uma aparência fortemente gamificada. A ação funciona como um redemoinho incessante, com iluminações erráticas e diversas ações simultâneas, permitindo que o universo trágico construído por Gavras respire e expire ao redor da narrativa guia. Há todo um mundo habitando as periferias da câmera, constituindo uma linguagem de simultâneos estímulos sensoriais, que deixam o longa de Gavras num estado de movimento perpétuo. Sem parar, com planos invadidos simultaneamente por tanta sensorialidade, o ritmo do longa acaba lembrando o estabelecido pelos irmãos Safdie em seus filmes mais recentes, como Good Time(2017).

Há sempre à espreita tiros de sinalizadores que colorem o fundo do estado de guerra no qual vivem os habitantes deste universo desgraçado. Esse estado de profunda agitação, tendo em vista as forças que se opõem no filme de Gavras, relaciona-se com afirmações feitas pelo revolucionário anticolonialista Frantz Fanon para o jornal El Moudjahid. Em artigo publicado no contexto da Revolução Argelina, em novembro de 1958, Fanon aponta a congruência entre os interesses dos proletários e camponeses da metrópole com os revolucionários das colônias, que são suprimidos pela alienação das forças dominantes. Desse modo, em Athena, as barreiras entre esses interesses se extinguiram, na medida em que os proletários da metrópole adquiriram o rosto dos revolucionários da colônia. A cobrança pela exploração chegou ao quintal francês, e mostra seus dentes.

Ainda assim, todos os convites feitos à revolução se diluem nas chamas de coquetéis molotov e na necessidade de afirmações morais trágicas da instância narrativa. Gavras constrói um filme que soa mais plástico que afirmativo, carregando mais valor de choque que reflexão. Um fogo vazio, essencialmente.


    Tiago ribeiro

    Editor, Redator e Repórter

    Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.