Biombo Escuro

O que está rolando

Fortaleza hotel

por Tiago Ribeiro

Foto: Divulgação

A conexão de vidas distintas e o mistério noir no caos brasileiro

O diretor Armando Praça fez com Fortaleza Hotel(2021) um dos filmes brasileiros mais interessantes lançados nesse último ano. Contando uma história que entrelaça duas vidas através da tragédia, tem-se um drama naturalista excepcional, que se traduz perfeitamente através das diferentes línguas faladas pelos personagens.

O longa começa, na verdade, com a promessa de renovação. A camareira Pilar(Clebia Sousa) inicia o filme enquadrada em perfil, respondendo perguntas relacionadas a imigração para a Irlanda. Logo entendemos que ela está praticando para uma viagem planejada, que apesar das tensões implícitas, representa a possibilidade de um recomeço, uma nova vida a ser vivida em um novo lugar. Paralelamente, a sul-coreana Shin(Lee Young-Ian) visita o país para levar o corpo de seu marido de volta a Seul, e está hospedada no hotel onde Pilar trabalha, lugar em que seus caminhos se cruzam.

Tudo isto posto, Praça conduz um movimento em Fortaleza Hotel, que consegue estabelecer imenso peso dramático na relação de ambas. Repentinamente, a promessa que Pilar tinha de começar de novo começa a se fechar, quando sua filha Jamile(Larissa Góes) é sequestrada por criminosos que exigem uma larga quantia em dinheiro como resgate. A partir daí, o incrível trabalho de fotografia orquestrado por Heloísa Passos começa a se adaptar à tensão da história, que toma outra direção conforme Pilar e Shin começam a construir uma relação de afeto e amizade.

Tratando especificamente da fotografia de Heloísa Passos, é uma de extrema beleza e significação, cheia de azuis e vermelhos, cores que estampam o círculo do Yin Yang da bandeira sul-coreana, além de utilizar-se muito das sombras, que tingem o filme com a beleza de um neo-noir. As diferentes formas como Heloísa enquadra o portão da casa de Pilar exemplificam o versátil trabalho da diretora de fotografia, que consegue estabelecer simbolismos distintos a partir de um mesmo lugar. A linda cena na qual Pilar e Shin dançam tango é carregada de ternura muito pelo trabalho de cinematografia, que conduz a cena que firma o vínculo criado entre as duas mulheres, remetendo a dança de Tony Leung e Leslie Cheung em Felizes Juntos(1997).

Além de todos esses fatores, a forma como a violência aparece como elemento limitador dos sonhos é perfeitamente passada por Praça. As performances passam a ficar assombradas pela morte e pela ameaça explicitada, forma exímia de se articular filmicamente a violência real vivida nos grandes centros urbanos do Brasil. Esse elemento é central para o desenrolar do enredo, conforme o roteiro, junto da fotografia, levam a história para uma direção misteriosa.

Em suma, Fortaleza Hotel é um longa de renascer interrompido, mas que encontra redenção na relação de duas mulheres que dialogam em puro intercâmbio linguístico e cultural, encontrando refúgio dos problemas que enfrentam, com ares similares ao de Madres Paralelas (2021), obra de Pedro Almodóvar.

    Tiago ribeiro

    Editor, Redator e Repórter

    Tiago Ribeiro é graduado em Cinema pela PUC-Rio. É editor, redator e repórter do Biombo Escuro desde 2021. Seus interesses pessoais são teoria cinematográfica, desenho de som e animes.