Biombo Escuro

Estreias da Semana

Os Fabelmans

por Guilherme Salomão

12/01/2023, Foto: Divulgação

As possibilidades transformadoras do Cinema

“Um filme é um sonho que você jamais esquecerá”. Essa é a frase que, logo na sequência de abertura de Os Fabelmans, a matriarca da família Fabelman (interpretada pela sempre visceral Michelle Williams), uma pianista frustrada, recita para o jovem Sammy, quando esse está prestes a ter uma experiência inédita e divisora de águas em sua vida: ir ao cinema pela primeira vez para assistir ao vencedor (polêmico) do Oscar de Melhor Filme do ano de 1953, O Maior Espetáculo da Terra (1952), do cineasta e produtor Cecil B. Demille. Impactado pelo que viu na grande tela, Sammy, a partir daqui, começará a fazer seus próprios filmes caseiros e crescerá nutrindo o desejo de se tornar um cineasta.

Após quase cinco décadas enfileirando sucessos como Tubarão (1975), E.T. O Extraterrestre (1982), Jurassic Park (1993) e A Lista de Schindler (1993), Steven Spielberg chega mais uma vez aos cinemas, dessa vez, entretanto, com um longa onde o foco em monstros, em criaturas fantásticas e nos horrores da Guerra vêm dar lugar a um outro tipo de história. No caso, a história de sua própria vida. Assim, Os Fabelmans, como descrito pelo próprio Spielberg, que também assina o roteiro do longa ao lado de Tony Kushner, é a sua obra mais pessoal até hoje, concebida buscando celebrar a história de sua família e o início da sua paixão pelos filmes e pela arte de se fazer cinema em si.

Dito isso, se em seu clássico filme 8 e ½ (1963) o cineasta italiano Frederico Fellini utilizou-se de uma fração de sua própria vida visando contar a história de um cineasta já consagrado enfrentando um bloqueio criativo no processo de se fazer cinema, Os Fabelmans pode ser definido, a partir de um paralelo consideravelmente audacioso, como um passo para trás de Spielberg no todo dessa jornada. Uma viagem até as suas raízes, em busca de apresentar, ao invés de um de seus estágios mais tardios problemáticos, aquele que seria um possível início da trajetória do personagem interpretado por Marcello Mastroianni no clássico italiano, bem como do próprio Fellini e de todos aqueles que sonham ou um dia sonharam em fazer cinema.

Sendo assim, o que acompanhamos ao longo de Os Fabelmans vai além de uma simples e vazia ode a sétima arte visando, acima de tudo, o sucesso nas tradicionais premiações anuais. Ao invés disso, Steven Spielberg mais uma vez emprega ao máximo o seu inquestionável talento de conversar e comover as audiências a partir de seus próprios sonhos e fábulas pessoais, onde uma história cujo a espinha dorsal é estabelecida por meio das relações familiares e do amadurecimento se torna em uma celebração ao cinema e as suas infinitas possibilidades enquanto arte.

Na jornada de Sammy Fabelman (Gabriel Labelle, em caracterização que bastante remete ao jovem Spielberg), além de testemunharmos o poder de catarse dos filmes, que encantam os adultos e crianças presentes naquela exibição de O Maior Espetáculo da Terra, fica claro, sobretudo, a capacidade que eles possuem em mudar a vida das pessoas para além disso. Entendemos, assim como Sammy ao realizar seus registros caseiros, como que, para os amantes da sétima arte, o cinema, recheado de inúmeros truques e ilusões, pode estar presente nos pequenos detalhes e nas experiências dos nossos cotidianos, nos fazendo enxergar melhor quem somos e revelando pequenos detalhes de nossas próprias vidas, tendo em vista que esse conjunto de imagens projetadas em sequência pode esconder minuciosidades que passam despercebidas em um primeiro momento- como a eventualidade de um caso extraconjugal, que, mais tarde, vem a se tornar um dos principais conflitos da família Fabelman.

Nesse contexto, sobressai-se também como que Spielberg, para contar essa história, demonstra ter atingido uma espécie de auge de sua maturidade como cineasta. Utilizando-se da autorreferência de forma sutil, com momentos que denotam o que faz do seu cinema algo tão icônico, aqui, o diretor demonstra-se extremamente confortável em revelar sua própria vida para os espectadores, alcançando, assim, um dos seus filmes mais aconchegantes até hoje.

Os Fabelmans é concebido por meio de detalhes sutis, como a trilha sonora serena e minimalista de John Wiliams (parceiro de longa data do diretor), que difere dos poderosos arranjos que testemunhamos em tantas outras composições de sua autoria, e a própria câmera de Spielberg, que brinca constantemente com travellings pelos ambientes e pelo foco da ação, com a profundidade de campo e com planos fixos milimetricamente calculados - sintetizando a noção das possibilidades infinitas do cinema enquanto linguagem e arte, além de proporcionar momentos de bastante sensibilidade narrativa. Sobretudo, os que envolvem os filmes caseiros de Sammy e os seus dramas familiares.

Em suma, essa é a carta de amor de Steven Spielberg ao cinema. Porém, mais do que uma simples carta de amor desprovida de autenticidade, Os Fabelmans é uma carta reconfortante e inspiradora para todos aqueles que buscam o Cinema como forma de vida e realização pessoal. Sammy Fabelman, em determinados momentos, enfrenta a repressão de seu pai (Paul Dano), um engenheiro extremamente dedicado ao que faz, quanto ao seu desejo incessante de fazer filmes. Mais tarde, movido a um sentimento de culpa por um problema familiar, chega até mesmo a se desiludir com sua própria paixão. De toda a forma, ao final de Os Fabelmans, se sobressaem para ele a necessidade de acreditar no poder transformador da arte e das lições aprendidas no seu caminho tortuoso.

Coroado por um clímax extasiante para o público cinéfilo, onde uma das grandes lições de Sammy surge de um dos seus ídolos, Os Fabelmans comprova que os filmes são, de fato, sonhos. E Steven Spielberg sabe que os sonhos jamais podem morrer.

Guilherme Salomão

Redator

Guilherme Salomão é Social Media, Produtor Audiovisual, Colunista e Criador de Conteúdo digital apaixonado por Cinema, Música e Cultura Pop. Administrador por formação, onde foi autor do TCC “O Poder da Marca no Cinema: O Caso Star Wars de George Lucas”, ele também estudou Produção Audiovisual na Academia Internacional de Cinema.