Biombo Escuro

25º Festival do Rio 

O Vilarejo El Eco

por Tiago Ribeiro

14/10/2023; Imagem: Festival do Rio

As reverberações do tempo

A diretora Tatiana Huezo vem a alguns anos desenvolvendo uma linguagem bastante própria que faz poucas distinções entre documentário e a ficção. Seu último filme, O Vilarejo El Eco, envolveu um intenso processo que durou quatro anos, num extenso estudo da passagem do tempo e do comportamento das comunidades rurais de Puebla, nas montanhas mexicanas. O enfoque é na vida dos mais novos desse lugar, e como eles se preparam para a vida que tem adiante.

Talvez uma comparação justa possa ser feita com Sweetgrass, onde os diretores Ilisa Barbash e Lucien Castaing-Taylor fazem um minucioso estudo da prática de fazendeiros de Montana, nos EUA, que na chegada do verão conduzem seus imensos rebanhos até o topo das montanhas Dente de Urso, para a pastagem de verão. Os diretores acompanham essa jornada com o trato de quem está registrando uma das últimas expressões da pecuária pré-industrial. Nessa migração conduzida pelo ser humano, as centenas de ovelhas superam os entraves do relevo, cruzando rios e declives íngremes na direção de um lugar apto para sua sobrevivência. 

Huezo demonstra um interesse similar pelas práticas de trato da terra e dos animais, em momentos em que a veia documental do seu trabalho se mostra mais, mesmo que sua linguagem seja distante da etnografia e da observação antropológica dos fenômenos humanos. A diretora procura mais pelas reverberações internas em seus jovens personagens, e como eles percebem o mundo que se apresenta a eles. 

Seu olhar é mais humanístico, e isso se reflete pela linguagem de O Vilarejo El Eco, que não recorre a entrevistas mais clássicas ou a enquadramentos neutros. Há um profundo diálogo entre a câmera e seus personagens, que estabelece essa ótica do aprendizado, onde sempre há algo novo diante dos olhos desses jovens que Huezo filma. Não à toa, a sala de aula aparece recorrentemente no filme, onde os jovens se engajam com esse espaço, por vezes fazendo o exercício de falar sobre a medicina das plantas, por outras tentando elaborar abstratamente o que seriam as ondas e frequências sonoras emitidas na fala.

Vem a mente a importância da passagem oral de conhecimento, e a partir disso todos os registros documentais do filme são imbuídos pela sabedoria de um mundo distante, que opera de formas distintas da vivência urbano industrial das grandes cidades. Huezo registra um dos poucos adultos que aparecem no filme no processo de tosa das ovelhas, e o primeiro contato de uma de suas protagonistas com o trato da terra utilizando uma foice de mão. 

Há um forte senso de esperança nos conflitos e dilemas da vida dos jovens dessa aldeia; eles tem toda uma vida a ser vivida e todas as possibilidades ainda estão abertas. Inclusive a de deixar o lugar onde nasceram em busca de outros modos de viver. Huezo filma um plano com diversos jovens da aldeia, sentados lado a lado em uma das colinas de El Eco. Eles indagam um ao outro sobre o que gostariam de ser quando crescerem. A única certeza é a de continuar reverberando seus ancestrais, dando continuidade de uma forma ou de outra, a tudo aquilo que já foi.