Biombo Escuro

24º FESTIVAL DO RIO

Raymond & Ray

por Guilherme Salomão

09/10/2022; Foto: Divulgação/Festival do Rio

Reconciliação e cura de remorsos em comédia de absurdos

Escrito e dirigido por Rodrigo García, Raymond & Ray é o novo filme original da Apple TV. Quando Harris (Tom Bower), o pai da dupla de meio-irmãos que nomeia o longa, morre, Raymond (Ewan McGregor) e Ray (Ethan Hawke) se veem unidos novamente após um tempo afastados. A pedido do patriarca ainda em vida, os dois embarcam em uma viagem com destino ao seu funeral e sepultamento, onde, também por desejo da figura paterna, com quem eles nunca nutriram um bom relacionamento, serão os responsáveis por cavar a sua própria cova.

Se, em um primeiro momento, a proposta de Raymond & Ray pode remeter a um drama, existe certa subversão de Rodrigo García para com o seu filme. O roteiro escrito pelo realizador colombiano apresenta uma progressão de situações e reviravoltas de tom absurdo (como a ideia em si de que a dupla de irmãos será a responsável por cavar a cova do próprio pai) e que acabam por transformar o longa em uma comédia. Entretanto, isso não faz do filme um exemplar do gênero leve e espirituoso por essência. Na verdade, apesar desse exagero cômico de certas situações, é interessante notar como que ainda habita em Raymond & Ray uma história bastante incisiva sobre reconciliação e libertação de traumas, justificada por meio de momentos de maior tensão dramática, ainda que peculiares.

Não existe muita inventividade narrativa em Raymond & Ray. A fotografia é rica em tons cinza e a trilha sonora aposta em arranjos de jazz, o que, apesar do humor, confere um tom melancólico a obra, que tem seus acontecimentos ditados com muita simplicidade pela direção de Rodrigo García. O grande trunfo do filme mora na relação dos dois irmãos propriamente dita, em que sobressai a química e o timing cômico das atuações de Ewan McGregor e Ethan Hawke. Bem explorados pelo diretor, são esses componentes que rendem os melhores momentos do longa-metragem.

Raymond e Ray são muito diferentes entre si. Carregando consigo relacionamentos amorosos frustrados, refletidos por três divórcios, Raymond é o mais “certinho” da dupla, que tenta, de início, lidar de forma mais diplomática com as situações. Ray, por sua vez, é mais “explosivo” e “mulherengo”, o que mais parece refletir o seu desejo de estancar de alguma forma as feridas do passado, principalmente a morte de sua esposa e o fato de nunca ter perseguido sua carreira como músico. Apesar disso, eles estão conectados entre si por meio de frustrações e remorsos que atribuem à relação problemática com o pai- a quem, apesar deles descreverem como uma figura tóxica e abusiva, depoimentos de figuras distintas que também conviveram com Harris (entre elas, sua enfermeira, um reverendo, uma ex-mulher e filhos de outros relacionamentos) pregam uma visão diferente, o que fará com que Raymond e Ray passem a nutrir dúvidas com relação ao fato de jamais terem o conhecido verdadeiramente.

De toda forma, ao final, a morte do patriarca é o ponto chave para que haja um certo acerto de contas entre dupla e a figura de Harris, que, ao longo do filme, é tratado quase como que uma assombração no presente dos filhos (ideia essa que pode ser reforçada pela cena em que seu “fantasma” faz uma aparição durante o seu sepultamento). Em vida, Harris sabia que jamais conseguiria se reconectar ou ter um acerto de contas com os filhos, recorrendo, assim, a morte para tal. Sendo assim, as atitudes finais de Raymomd e Ray e as respectivas conclusões dadas à dupla, resultados do entrelaçamento da história dos irmãos com a de outras pessoas chaves na vida do pai, são o reflexo disso, por mais questionáveis que possam parecer.

Em suma, apesar de García não entregar um filme que possa ser considerado memorável, a peculiaridade é capaz de proporcionar um bom tom cômico e dramático em determinadas situações. O saldo final é, então, positivo, e reside principalmente nas atuações da talentosa dupla protagonista, capazes de nos envolver nessa estranha história de reconciliação e de alívio em relação a quando as relações familiares são ditadas por ressentimentos.


    Guilherme Salomão

    Redator

    Guilherme Salomão é Social Media, Produtor Audiovisual, Colunista e Criador de Conteúdo digital apaixonado por Cinema, Música e Cultura Pop. Administrador por formação, onde foi autor do TCC “O Poder da Marca no Cinema: O Caso Star Wars de George Lucas”, ele também estudou Produção Audiovisual na Academia Internacional de Cinema.