É altamente verificável, hoje, que ali por meados da década de 70, durante a
ascensão avassaladora da chamada “Nova Hollywood”, pode-se notar uma das
essencialidades primordiais da pós-modernidade – ainda que este estágio
sintomático do capitalismo estivesse nas suas fases iniciais de discussões mais
profundas e interessantes –, que é a aglomeração de ideias cabalmente distintas, e
nada niveladas, entre cineastas e filmes que surgiriam a partir desta década e nas
subsequentes. Desta forma, artistas que não necessariamente compartilhavam um
juízo coletivo em relação ao cinema, foram colocados lado a lado, no mesmo saco.
Antes, uma forte conexão se percebia entre aqueles que faziam parte de outros
momentos, do Cinema Novo à Nouvelle Vague, Neo realismo, Construtivismo etc.
Agora, estas delimitações que auxiliam na percepção de um movimento ou
tendências compartilhadas entre diretores são muito indefinidas, a não ser por
concepções demasiado vagas da própria Hollywood. Deste divisor de águas têm
indivíduos como Martin Scorsese, Brian de Palma, John Carpenter, John Milius,
Michael Cimino, John Cassavetes, George Lucas, Steven Spielberg, John Bormann,
Spike Lee e Robert Aldrich. Assim, já pode-se imaginar que um grupo ainda mais
amplo de cineastas poderia surgir, uns que veriam seus ascendentes com esmero,
em uma necessidade de referenciar ou de continuar desbravando inúmeros temas
diferentes.
Desses filhos, da contemporaneidade, Darren Aronofsky é um dos que abraça
absolutamente (e involuntariamente), tais questões do ambiente centrifugado pósmoderno. O que mais parece interessá-lo, independente da obra, é um ideal
agridoce, por assim dizer. No sentido de que o diretor gosta de produzir seus longas
em um sentimento de confusão etérea. À vista de que, primeiramente, seus filmes
altamente desconfortáveis, são encapuzados a partir de valores maiores. Já que, há
sempre uma comoção dada ao público de que o que ele presencia é uma forma de
arte superior. É uma tentativa complexa de discutir certos assuntos de maneiras
mais inteligentes, ao mesmo tempo que somos provocados apenas pelo choque
raso. No fundo no fundo, não há tanto mistério assim.
A Baleia (2022) possuir o gigantesco logo da A24 exposto nos créditos iniciais
é completamente previsível. Pois a distribuidora exerce exatamente o que Darren
Aronofsky vem fazendo há anos e anos nos Estados Unidos: revestir um
estratosférico produto da indústria cinematográfica em um mísero ar de
“independente”. Para, então, não haver a exigência de sua obra ser julgada como
uma megaprodução rasa, quando, na verdade, sua enxurrada de temas
supostamente complexos são apenas fetiches. Seus sentidos não possuem nada de
obscuros, no fim, é uma densidade ilusória: confortante para aqueles que buscam
algo hermético e fora do normal, mas sem sair do tradicional, popular, superficial.
Nesse sentido, a escolha de Brendan Fraser para o protagonismo não é à toa,
sem falar do seu terrível caso sofrido de assédio. Contudo, na contemporaneidade, é
exatamente desse tipo de reviravolta que o mercado gosta. Para uma parcela
avassaladora de consumistas, é interessante perceber alguns atores anteriormente
vistos, de certa forma, negativamente, sendo transformados em estrelas de
qualidade, como se os antigos trabalhos do artista não fossem suficientes, pelas
mais variadas questões. Adam Sandler é um dos exemplos, era pouco visto como
um intérprete sério e instigante, como se suas comédias dramáticas não obtivessem
valor algum, assim, passou a ser “redescoberto” após Joias Brutas (Josh Safdie,
Ben Safdie; 2019). O mesmo ocorreu logo após Robert Pattison fazer The Batman
(Matt Reeves, 2022), contudo, ele, muito antes de estrelar neste longa-metragem, já
carregava uma filmografia de peso, na maioria das vezes ignorada pelo grande
público – não contando O Farol (Robert Eggers, 2019) –, tais quais Cosmopolis
(David Cronenberg, 2012), Mapa Para as Estrelas (David Cronenberg, 2014), Z: A
Cidade Perdida (James Grey, 2016), Bom Comportamento (Josh Safdie, Ben Safdie;
2017) e High Life (Claire Denis, 2018).
Brendan Fraser, por conseguinte, sofre desse mesmo revisionismo pósmoderno barato. Onde as produtoras apenas se aproveitam de tais histórias de
superação no objetivo de alavancar as suas obras. Fraser eternamente era
lembrado pela nostalgia atual através dos filmes de A Múmia, de George, de outras
comédias e aventuras do começo de anos 2000. Raramente lembrado pelos papeis
pequenos em Crash (Paul Haggis, 2004), ou Nem Um Passo em Falso (Steven
Soderberg, 2021). À vista disso, A Baleia, se torna a oportunidade perfeita para
Darren Aronofsky e a A24 promoverem a sua produção para um hiper patamar de
complexificação identitária.
O filme de 2023, portanto, é o resultado de toda essa confusão idealística, de
uma aparente vitrine de grife, onde se propõe algo transcendental, mas de qualidade
material exatamente oposta. Toda a estética pensada visa mais um joguinho que
tenta ser substancial, porém, nunca acaba se tornando o que deseja de fato. Por
alguns momentos, ele ao menos parece transmutar-se consciente. À vista de que,
se o protagonista visa apenas exigir uma reação e discursos honestos por parte das
pessoas, é isso que Aronofsky expõe dentre as imagens construídas e exibidas. Um
homem que, por hora, o público simpatiza demasiadamente, e por outras, ressalta
algum tipo de repulsa caricata.
Se por alguns instantes, por conseguinte, almejou-se um discurso mais
arrojado e único sobre gordofobia e/ou obesidade, tais palavras se perderam no seu
próprio contexto. Logo, o que perdurou de concreto nessa pseudo-realidade escura,
são pequenos momentos diante dos laços humanos de Brendan Fraser com outros
indivíduos, estes que, sim, viveram uma montanha-russa de emoção
demasiadamente verdadeira com o protagonista e o espectador.