Biombo Escuro

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Bem-Vindos de Novo

por Tiago Ribeiro

15/06/2023; Foto: Sinny Assessoria


Após a conclusão da abertura do regime militar brasileiro em 1985, depois de 21 anos, acompanhamos o período de uma nova república que teve de sofrer antes de prosperar. No decorrer da década seguinte, vimos um país que balançava na corda bamba em diversos setores. O cinema sofria com o fim de programas governamentais de fomento, e víamos crises econômicas sucessivas que arruinaram a vida de milhares de famílias. A constituição cidadã de 88 trouxe garantias de um estado democrático de direito, mas o país tardava a encontrar a tração necessária para chegar a algo que pudesse ser denominado "estável".

Desse contexto conturbado que foram moldadas muitas das histórias desse século no Brasil, surgem narrativas cinematográficas que tentam entender nosso presente olhando para os anos 90. Já estando na terceira década do século XXI, é notório que traumas dessa época que parece tão distante ainda permaneçam, e a impossibilidade de se remendar o passado revela feridas ainda abertas. 

Uma das narrativas cinematográficas que reflete sobre esse período é Bem-Vindos de Novo, longa-metragem do diretor Marcos Yoshi. Em seu documentário, Yoshi se vira para seus pais, um dos muitos cidadãos nipo-brasileiros que, em meio ao evento migratório que ficou conhecido como fenômeno Dekassegui, retornaram à sua terra ancestral em busca de conseguir prosperidade econômica. No Brasil, os pais da família deixaram três filhos. De toda falta que essa distância gerou surgem as reflexões e os conflitos que permeiam essa história, cujas lentes vêem mais do que apenas a história de uma família.

Yoshi emprega múltiplas frentes narrativas em sua história. Durante boa parte do filme ele emprega uma narração que caminha conosco, por vezes contextualizando os eventos diante de uma visão sociológica, por vezes servindo como o parecer de um realizador que investiga seu próprio passado. Entram também conversas e o cotidiano de seus pais, a uma maneira de ouvir como eles refletem sobre o ocorrido, e como eles também sofreram com isso. Yoshi também traz uma grande pesquisa de imagens domésticas, principalmente de vídeos dos anos 90, e que localizam Bem-Vindos de Novo nesse entre tempos, ilustrando esse lastro de passado com o qual parece tentar lidar.

Na própria narração, ele enumera os passos que tomou para realizar o filme, ouve a versão de seu pai e de sua mãe sobre as motivações que os levaram ao Japão, navegando pelos seus registros, tentando preencher os espaços vazios com memórias findas. A forma como ele apresenta as diferentes versões do que aconteceu, expondo os ressentimentos que ficam engravados no ser humano, demonstrou um exímio trabalho de direção que reconhece a importância de se falar com a câmera, de se mostrar vulnerável diante dela. Vulnerabilidade essa que destrói qualquer idealização, qualquer tipo de racionalização que pudesse explicar o que aconteceu na história dessa família. 

Com seu curta Aos cuidados dela, onde visita sua avó em uma terna jornada pelas suas receitas de cozinha, Yoshi já havia se mostrado como um cineasta instigado por investigar as próprias raízes e sua relação com migrações. Algo feito também em O Marinheiro das Montanhas de Karim Aïnouz, que vai à Argélia em busca da história de seu pai, e Elena de Petra Costa, que busca sua irmã na Nova York de um passado lírico e poético. 

E por esse caminho, Marcos Yoshi investiga a ideia de um além mundo do outro lado do pacífico, que atraiu Roberto Yoshisaki e Yayoko Yoshisaki a deixar seus filhos no Brasil em busca de melhores condições de vida.Tendo estreado na Mostra Aurora de Tiradentes, um dos grandes expoentes do cinema moderno do Brasil, Bem-Vindos de Novo é um profundo exercício de auto investigação que resultou em um grande ensaio sobre o fenômeno Dekassegui e as flutuações de um país que tardou a se erguer com as próprias pernas de um regime ilegítimo e criminoso.